segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Parto normal após cesárea

Não poderia deixar de postar aqui.
2 anos e 7 meses depois desta cesárea desnecessária tive o meu VBAC (Vaginal Birth After Cesarean, ou Parto Vaginal Após Cesárea).
Pena que tive que passar por uma cesárea para poder viver as emoções e o respeito de um parto normal. Mas infelizmente na época eu não tive as informações necessárias e a consciência da situação da obstetrícia no Brasil.
Se você quiser saber como foi esta minha experiência acesse meu outro blog/relato aqui.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Relato da Cesárea do Chico

O que faz o texto a seguir interessante não é porque eu vivi uma história singular. Ela pode ter sido única por um ou outro detalhe. Mas o que faz valer à pena ler o texto abaixo é que este relato é muito parecido com milhares de relatos de cesária.
Realmente já vi algumas histórias menos ruins que a minha, mas também já ouvi outras tantas muito piores. Mas o ponto aqui é que uma cesárea sempre será uma cesárea e salvo quando bem indicada é uma agressão ao bebê e à mãe. A cesárea -diferente do parto normal - é um procedimento, impessoal e padronizado. E infelizmente no Brasil os partos que poderiam ser lindos e intensos como alguns indicados neste blog são roubados e viram histórias muito parecidas com a que vou lhes contar.
Mas ele não está aqui para aterrorizar ou entristecer ninguém. Ele está aqui para que as mulheres que confiam em seus médicos saiam do piloto automático e se questionem se ele é tão bom obstetra quanto foi ginecologista.
Existem opções mas é preciso lutar por elas.
Se você quer entender porque poderia ter sido mais bonito, como poderia ter sido, ou como entrar pra esta luta acesse: www.partodoprincipio.com.br ou www.maternidadeativa.com.br
Nestes sites, além de encontrar as pessoas certas para te ajudar nesta luta você também encontra relatos que mostram como tudo isso poderia ter sido.


A Gestação

Não estávamos tentando, tampouco evitando a gravidez. Achava que iria demorar, mas não demorou. Parei de tomar a pílula em dezembro e me descobri grávida no fim de março, com 6 semanas.
Meu GO já me acompanhava há 7 anos. Nunca foi uma relação muito calorosa, mas sempre foi eficaz. Por isso confiava nele. Ele é professor da Paulista, adepto de acupuntura, e ao longo da gestação sempre falava em minimização de riscos. Racional como eu!

De um modo geral, a gravidez foi muito tranqüila. Tive 2 sustos, descolamento de placenta no primeiro trimestre e uma contratura muscular na barriga, que não era nada, mas me assustou bastante. Mesmo assim foram muitos exames. Cerca de 12 ultra-sons, 2 cardiotocos e todos os de sangue possíveis.

No quinto mês fiquei em dúvida sobre meu médico. Não me sentia à vontade para questioná-lo. Ele sempre respondia às minhas perguntas, mas era sempre objetivo demais, seco demais, médico demais.
Eu e meu marido perguntamos qual era o partido dele. Ele disse que deveríamos fazer o PN. Que eu tinha quadril largo e não deveria dar nenhum problema.
Sempre tive dificuldades de tomar decisões pautadas nos meus sentimentos. Tudo sempre teve que ser racional, justificável. Mudar de médico agora não o seria, portanto resolvemos continuar com ele.
Fizemos o curso de gestantes do São Luiz. Estávamos seguros de que tínhamos boas informações e de que estávamos bem assistidos. No curso mostraram alguns vídeos de parto e o recém nascido gritando... Lembro-me nitidamente de pensar DEVOLVAM ESTE BB PRA MÃE DELE! Mas mais uma vez sufoquei meus sentimentos... Eles sabem o que fazem.
Em setembro nasceu nosso sobrinho na Itália. Parto Normal, sem episio, sem anestesia, em cadeira holandesa. Só não foi na água porque não deu tempo. Nós na nossa ignorância arrogante ficamos aqui falando que não era uma boa, acreditávamos no mito da necessidade da episio para preservação da vagina.
Na minha penúltima consulta meu médico solicitou uma cardiotocografia.
Fizemos, e como eu sabia, estava tudo perfeito. Sentia muito pouco as Braxton. Eu sentia que o parto estava longe, mas mais uma vez não ouvi meus sentimentos.

O Sonho vai acabando

Fomos pra nossa última consulta dia 14/11. Segundo o médico eu tinha 1cm de dilatação (porque o toque doía tanto?). O parecer dele: se não entrar em TP até a DPP, vamos induzir.
Saí de lá bem triste. Eu tinha certeza de que não entraria em TP até lá. Eu que sempre fui uma pessoa agitada estava zeeeeeen. Zen até demais. As pessoas mal me reconheciam. Faltando 1 semana pra DPP eu achava que aquilo era tempo demais.
Queria trabalhar até o final da gestação. Pra mim entrar em TP no escritório não era problema. Mas enquanto eu estava toda tranqüila, o Alê foi ficando cada vez mais ansioso.
Morávamos em Perdizes e minha sogra mora perto do São Luiz. Então nos mudamos pra casa da minha sogra. O Alê queria ficar pertinho do hospital.
Eu não queria muito. Ficava mais à vontade em casa e meu mega querido cachorro poderia ficar comigo. Mas também não queria fazer disso um campo de batalha. Fomos pra casa da minha sogra dia 17/11 e minha DPP era dia 20/11.
Segunda feira dia 19/11 o São Luiz me liga. Disse que meu médico tinha falado com eles e eles queriam alguns dados para agendar minha internação. Aquilo esmagou meu coração. Era realidade, eu iria para o hospital com data agendada. Mas eu estava bem treinada a passar por cima dos meus sentimentos. Em vez de gritar, respondi tudo o que o homem queria.
Não saía da minha cabeça que induzir parto era sinônimo de cesárea, o que eu não queria de jeito nenhum. O Alê não me apoiava nisso. Dizia que o médico era nosso treinador e que tínhamos que confiar nele. Não dava pra desconfiar nessa altura do campeonato.
Sua sugestão era que deveríamos conversar com meu médico. Então liguei pra ele, com quem eu não tinha diálogo, dizendo da minha insatisfação, que não entendia por que não poderíamos esperar. Sua resposta foi satisfatória (pelo menos na época) disse que agora tanto eu quanto o BB estávamos em plenas condições de agüentar um trabalho de parto. Que pelo ultra-som ele já tinha visto umas placas no líquido amniótico que indicavam maturidade pulmonar do feto. Se esperássemos, poderia ocorrer algo que tirasse a minha capacidade de (ou a do BB) de agüentar um TP acarretando numa cesárea de emergência. Logo induzir o parto aumentaria minhas chances de PN.
Disse para eu caminhar. Quem sabe?
Bom, saí caminhando pelo bairro inteiro. As Braxton já estavam mais fortes e segundo instruções do meu médico eu tinha ficado toda a gestação sedentária. Desacostumada e 16 Kg mais pesada não estava aproveitando muito o passeio. Não teve jeito.
De noite eu e o Alê quisemos nos despedir da barriga. Ficamos no nosso quarto na minha sogra, fizemos muito carinho nela, tiramos algumas fotos. Estávamos nos despedindo da fase onde éramos só nós dois.



A Indução

No dia seguinte já estava mais animada. Meu filho ia nascer aquele dia! Acreditava que ia conseguir PN. Achava que tudo ia dar certo!
Tomamos café e fomos ao hospital.

Chegamos lá as 10am. Enquanto preenchíamos a ficha passou meu médico. Ele estava com uma cara boa, feliz. Eu estava confiante.
Fui para uma salinha com as enfermeiras. Fizeram alguns procedimentos, tricotomia, questionários, toque e a medonha camisola verde de bunda de fora. Mas aquilo realmente não me incomodava. Perguntaram do meu médico e eu disse que ele estava dentro do hospital. Depois de um tempo a enfermeira volta e fala: - seu médico é chique! Faz acupuntura! Na hora achei bacana, mas não sabia como ela sabia disso.
Bom, subimos pra sala de pré-parto. Um quartinho pequeno com uma cama, um cardiotoco, uma cadeirinha, TV, rádio, e um banheiro.
Aí começamos. Era mais ou menos 11 horas e comecei a tomar a oxitocina. Continuava animada. Tinham aqueles cartazes “caminhando para o TP”. Então eu, o Alê e o sorinho ficamos caminhando por ali. Eu ficava indo na sala de delivery, ansiosa pelo momento em que me transfeririam para lá. Só poderia ir para lá com pelo menos X de dilatação.
Tinha outra mulher induzindo parto. Como ficava passando por sua porta li sua ficha e qual minha surpresa, ela também estava com meu médico! Por isso a enfermeira sabia da acupuntura! Bom, acabei encontrando com ela no corredor. Estava feliz e gostava de vê-la ali. Sorria para ela quando a via. Imaginava que estávamos compartilhando da mesma emoção!
Ao meio dia me deixaram tomar uma sopinha Vono. Deixaram claro, era minha última refeição. Eu continuava animada e o Alê até filmou a última refeição.

Não tinha nada pro Alê, falei pra ele sair pra comer, sei lá quanto tempo aquilo iria demorar. Fiquei com um pouco de sono e cheguei a cochilar.
Quando o meu médico soube, falou:- Ah! Tá fraquinho então! Aí aumentou a dose da oxitocina. Incrível, a dor começou a aumentar e eu presa naquele cardiotoco, não me mexia mais. Fiquei deitada a partir de então. Não gemia, não gritava, não andava. Simplesmente fiquei deitada, muda, sentindo minha dor e esperando... Mal sabia eu que era uma vaca indo pro abate.
Acho que o Alê acabou ligando a TV, com o som mudo.
Eu não queria falar nem encostar em ninguém, me fechei com minha dor. Esperando que aquilo passasse. Não vou saber mais descrever exatamente. Sei que fizemos alguns exames de toque, aquilo doía muito e sangrava. Uma hora ele fez sei lá o que com a bolsa para acelerar o TP, mas acho que não era estourar a bolsa, porque não me lembro dos lençóis terem se molhado. Ele também fez acupuntura no dedinho do pé para acelerar o dito cujo... E aquilo também era doído.
Já não estava mais animada, nem um pouco.
Meu médico entrava no quarto e via o papelzinho do cardiotoco e ficava feliz:- que maravilha, hein Priscila? Não é por falta de contração!
Lembro que alguma hora ele saiu do hospital, disse que estava indo fazer um parto na Pro Matre e que já voltava. Eu sempre perguntava pela minha outra colega parturiente. Era a única coisa que eu queria falar... Se o dela desse certo o meu também daria. Ela começou a indução uma hora antes de mim. Ele me disse que o quadril dela era estreito, que muito provavelmente seria cesárea. O BB dela era uma menina.
Certa hora veio o primeiro vômito. Bile. Eu sabia que não ia agüentar muito, aquilo mostrava que a dor era real. Meu corpo estava sentindo e não somente a minha mente. Valorizei aquele vômito. Fiz o Alê sair do quartinho pra ir contar pras enfermeiras.
Nossos pais, eu deixei o Alê gerenciar. Nem sei ao certo se ligaram ou quantas vezes ligaram. Por mim só estaríamos nós lá.
Chegou uma hora em que meu médico veio conversar conosco. Disse que o Chico não estava com o queixo encostado no peito. Estava como que olhando para o canal vaginal e por isso a dilatação estava mais difícil. Perguntei qual a probabilidade dele encostar o queixo. 50%.
Pedi alguma coisa para alívio da dor. A tese de doutorado de meu médico era sobre o uso da acupuntura para alívio da dor e possível eliminação de anestesia. Esperava aquilo pra mim. Mas nada! Ele ministrou buscopan.
Uma hora depois, mais um toque e ele disse que Chico tinha mexido um pouquinho, as chances agora eram 60%. Eu estava com 5cm. Continuava com muita dor e cansada. Mais do que dor o cansaço me consumia, os intervalos das contrações eram muito curtos.
Esperamos mais uma hora e o cenário não mudou. Disse que o buscopan não tinha diminuído a dor.
Minha colega parturiente estava com 2cm de dilatação e estava indo para cesárea. Se depois do parto dela eu não tivesse evoluído, eu iria para cesárea, caso contrário eu já estaria com 6cm e poderia tomar a anestesia para o parto normal. Esperei mais uma hora... E nada. Chico tinha estacionado naquela posição.

A Cesárea

Era 10: 00 pm e fomos para a cesárea, após 10 horas de indução.
Alê foi se aparamentar e eu fui sozinha, numa maca, nua sob um lençol, para a cesárea.
Quiseram me tirar da maca no meio de uma contração.
Me colocaram na mesa cirúrgica. Fiquei na posição para tomar a peridural. Sabia que tinha uma injeção gigantesca na minha coluna. Quis pensar em outra coisa. Rápido pensa em algo! Comecei a conversar com meu médico sobre faculdade de medicina. Como funciona, quantos anos, residência, etc.
Me deitaram. Não sei quantas pessoas nem quem estava lá. A sala era enorme.
Me apresentaram o Obstetra auxiliar, um homem muito simpático.
Me amarraram. Colocaram o pano azul. Não enxergava nada abaixo do meu queixo.
Vomitei mais. Vomitei um monte por causa da anestesia e assim fiquei até sair de lá. Deitada, no meio de um monte de vômito enquanto meu filho nascia.
Começaram a me cortar e o Alê nem tinha chegado. O Alê entrou na sala e sentou-se ao meu lado. Pedi carinho na cabeça. Ele pediu autorização pros médicos. Tinha medo de que não pudesse. Deixaram.
Me sentia totalmente engessada. Não conseguia me mexer e tudo era pesado. Sentia a anestesia até meu peito. Era um peso enorme no peito e não sentia o ar entrando. Era angustiante. O Alê falou pro anestesista e ele sem dar atenção disse que era normal a anestesia subir.
Gol do Brasil!!!! O quê??? Acreditem: - Gol do Brasil! O anestesista anunciava, enquanto escutava no fone de ouvido!
De repente escuto as enfermeiras: - Que lindinho! É loirinho!
Na seqüência, o choro. O mesmo do curso de gestantes. O choro sentido, desesperado, abandonado e invadido.
O Alê do meu lado, ele não queria me deixar só. Disse que eu estava grogue.
Mas eu pedi que fosse: - Vai lá ver nosso filho! Vai lá ver pra me contar!
Meu filho tinha nascido. Eu o escutava chorar, mas não o via, não podia pegar nele, não sabia o que estavam fazendo com ele, nem como era. O Alê foi lá depois de alguma insistência minha e uma hora lembrou de filmar.

Enfim trouxeram o Chico pra perto de mim. Comecei a falar com ele e ele parou de chorar na hora.
O Alê ainda estava nervoso. Preferiu não segurar o Chico.
Me perguntaram se eu queria amamentá-lo:
- Eu posso até tentar, mas....
- Você vai continuar amarrada, eu é que ia ficar segurando...
A enfermeira deu uma espiada sob o pano azul e viu aquele monte de coisas ligadas no meu peito e desistiu da idéia!
E eu? Bom eu continuava amarrada, quietinha, aceitando tudo o que eles me diziam.... Muuuuu
Para encostar nele, eu estiquei um pouco o rosto até que minha bochecha encostasse nele. Acho que ele gostou. Mesmo que fosse muito pouco, era a mãe dele! Ele sabia! Eu conversei um pouco com ele e ele parou de chorar na hora.
Quis sentar... o médico ainda estava me costurando.
O Alê filmou isso. Notem, após 40 semanas e 1 dia de gestação não me deixaram ficar com meu filho nem por 2 minutos inteiros!!!
Levaram o Chico e eu fiquei lá.


O obstetra auxiliar me falou: - Passe a mão na barriga. Estava lisinha. Na hora achei até simpático. Mas hoje vejo o absurdo! Ele não tinha maldade, mas levam meu filho e me consolam com uma barriga pequena!
A sala foi ficando vazia. Acho que pedi pro Alê ir com o Chico. Não lembro.
Lembro que uma mulher veio falar comigo, ela tinha um sorriso tranqüilo e uma voz carinhosa: - Gostou do parto? – Eu queria normal!, respondi.

Bom, saí de lá e fui pra recuperação de anestesia. Fiquei algum tempo lá. Tinha uma mulher ao meu lado com tremedeira. E uma enfermeira. Nem Alê nem Chico nem meu médico. Era uma sala grande, com várias camas vazias. Estava escuro. Tudo indicava que já era madrugada.
1:00am me levaram ao meu quarto. Minha mãe, pai e madrasta estavam todos lá com o Alê. Na verdade não gostei de vê-los. Queria ficar só com o Alê e o Chico. Até então não tinha podido ficar com eles. Mas eles foram embora rápido.



Trouxeram o Chico e enfim eu pude segurá-lo, enfim pude amamentá-lo.









Se fosse resumir meu parto em poucas palavras seriam: Desânimo, dor, resignação, desrespeito e solidão.

Agradecimentos:
Acho que o Alê não sabe a importância que teve aquele carinho na minha cabeça enquanto o Chico nascia. Aquilo me consolava. Era o pouquinho de proteção e carinho que eu conseguia receber naquele momento. Realmente ele não teve o papel ativo que tanto queríamos que ele tivesse no parto. Mas se nem eu tive, o que sobrou para ele?

Muitas pessoas passaram por mim, mas apenas 2 se dignaram a olhar nos meus olhos e sorrir. Não sei seus nomes, mas agradeço por aqueles olhares.

A vocês por lerem este relato e me ajudarem a Aceitar a perda (ou roubo?) de um momento que era para ser um dos mais felizes e foi um dos mais tristes. Virar a página.

Espero que pelo menos este relato ajude algumas mulheres a acreditarem em si. Acreditarem nos seus sentimentos e lutarem por um parto digno... sim, no Brasil isso ainda tem que ser uma luta.
 
t (c)